O último rugido do príncipe das trevas
- Olivia Lancaster
- 5 de jul.
- 3 min de leitura

O Villa Park, estádio onde geralmente se celebram as vitórias e derrotas do Aston Villa, transformou-se numa espécie de Valhalla do heavy metal numa tarde de julho. Ali, diante de milhares de fiéis devotos vestidos de preto, Ozzy Osbourne subiu ao palco pela última vez – ou pelo menos é o que ele promete, numa carreira pontuada por aposentadorias e retornos épicos.
Aos 76 anos, o homem que um dia mordeu a cabeça de um morcego no palco e urinou no Álamo chegou ao seu show de despedida de uma maneira que oscilava entre o majestoso e o melancólico. Sentado num trono digno de um rei medieval – uma necessidade ditada pelos problemas físicos que o acometem –, Osbourne emergiu das entranhas do palco como uma aparição teatral. A plataforma hidráulica que o elevou até o nível dos mortais conferiu um ar solene ao momento, como se Birmingham recebesse não apenas um músico, mas um monarca decadente retornando de um longo exílio.
O festival Back to the Beginning, construído como uma homenagem tanto a Osbourne quanto ao Black Sabbath, reuniu um panteão do metal que funcionou como uma espécie de velório antecipado do gênero. Metallica, Guns N' Roses, Tool, Slayer – todos ali para prestar reverência ao patriarca que ajudou a inventar o vocabulário sonoro que os nutriu.
O set solo de Osbourne, enxuto como convém a um homem que precisa economizar energia, trouxe cinco canções que funcionaram como uma autobiografia musical comprimida. "I Don't Know" abriu o testamento sonoro, seguida por "Mr. Crowley" – a balada gótica que certa vez fez mães conservadoras se benzeram em todo o mundo. "Suicide Solution", "Mama, I'm Coming Home" e "Crazy Train" completaram o repertório, cada uma delas carregada de uma carga emocional que transcendia a simples nostalgia.
Mas foi a reunião do Black Sabbath que conferiu ao evento seu peso histórico. Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, os outros três cavaleiros do apocalipse musical, subiram ao palco para o que prometem ser a última vez. A formação original da banda que, em 1970, num estúdio improvisado em Birmingham, gravou os primeiros acordes do que viria a ser conhecido como heavy metal, fechou assim um ciclo que durou mais de meio século.
O caráter beneficente do evento – com os lucros destinados à Cure Parkinson's, Birmingham Children's Hospital e Acorn Children's Hospice – adicionou uma camada de redenção a uma carreira construída sobre transgressões e excessos. O homem que um dia foi excomungado por grupos religiosos agora levanta fundos para hospitais infantis, numa ironia que só a passagem do tempo consegue produzir.
Para aqueles que não puderam fazer a peregrinação até Birmingham, o festival ofereceu transmissão online por cerca de 80 reais – um preço módico para testemunhar o fim de uma era. A transmissão, propositalmente atrasada em duas horas, funcionou como uma espécie de delay temporal, como se o próprio tempo precisasse de um momento para processar o que estava acontecendo.

O Back to the Beginning foi, em última análise, mais que um festival de música. Foi um ritual de passagem, uma cerimônia de encerramento para uma geração que transformou o barulho em arte e a rebeldia em religião. E no centro de tudo, sentado em seu trono como um rei Lear do rock, Ozzy Osbourne ofereceu ao mundo seu último rugido – um som que ecoará muito depois de o último amplificador ter sido desligado e o último fã ter voltado para casa.